FOLHAPRESS/O CATHARINENSE
O presidente Jair Bolsonaro (PL) iniciou seu dia de programação oficial em Moscou como todo chefe de Estado que visita a Rússia: na cerimônia de aposição de uma coroa de flores no Túmulo do Soldado Desconhecido.
O túmulo é um dos pontos altos simbólicos da celebração da vitória da União Soviética, império comunista que durou de 1922 a 1991 e está no centro dos fetiches do bolsonarismo, na Segunda Guerra Mundial (1939-45, mas que começou para os soviéticos em 1941 e que é chamada no país de Grande Guerra Patriótica).
Sob a construção de 1967 repousam restos mortais dos defensores de Moscou, que seguraram os invasores nazistas a pouco quilômetros da capital. O monumento também traz em seu conjunto 12 pedestais com os nomes das chamadas cidades-herói, título soviético dado àquelas que resistiram a cercos brutais.
Em 2017, na mais recente visita de um presidente brasileiro a Moscou, Michel Temer (MDB) ouviu um “Fora Temer” gritado ao longe enquanto participava da cerimônia.
Putin, que receberá Bolsonaro nesta quarta (16) em meio à grave crise com a Ucrânia e o Ocidente, não é um saudosista do comunismo, mas estabeleceu uma cartilha de louvação aos aspectos heroicos do regime —centrado na experiência da guerra.
A Rússia, maior dos 15 países que compunham a União Soviética, é seu Estado sucessor. Em 2004, Putin inclusive mudou o nome de uma das 12 cidades homenageadas, Volgogrado, à sua denominação nos tempos da guerra.
Foi Stalingrado, ou cidade de Josef Stálin (1878-1953), que homenageava o ditador comunista e foi palco de uma das viradas de maré do conflito, quando os soviéticos derrotaram o Sexto Exército nazista que a havia conquistado.
Sob Putin, é crime tentar contar histórias alternativas à oficial sobre o conflito. Há uma razão emocional também: cerca de 70% das famílias russas perderam algum familiar na guerra, que levou 27 milhões de almas soviéticas (9 milhões fardadas), quase 40% do total de vítimas.
Mesmo que quisesse, Bolsonaro teria dificuldades de se livrar das lembranças comunistas em Moscou. A cidade é coalhada de reminiscências do período, embora elas tenham diminuído nos 30 anos de vida capitalista.
Seja como for, o mausoléu de Vladimir Lênin (1870-1924), o fundador do regime, segue lá em frente ao Kremlin onde Putin receberá o brasileiro. As estrelas vermelhas nas torres da fortaleza medieval, remetendo ao símbolo comunista, também.
Placas homenageando figuras do regime e da sociedade estão espalhadas pela cidade, que ainda tem um solitário busto de Karl Marx (1818-83) em frente ao famoso Teatro Bolshoi. Mesmo Lênin, que viu boa parte de suas estátuas cair após 1991, ainda é visto aqui e ali, inclusive com um grande monumento na praça Kaluga.
O anticomunismo de Bolsonaro não difere, em formação, daquele de sua geração de oficiais, moldada na ditadura de 1964. Mas mesmo entre aqueles que permaneceram nas Forças Armadas, enquanto Bolsonaro deixou o Exército como capitão em 1988, não há quem acredite em socialismo ou comunismo nos dias de hoje.
O que há é um entendimento de que a esquerda subsiste de forma ideológica, adotando a defesa de temas alternativos ao socialismo nos campos comportamentais e ambiental, por exemplo. Bolsonaro também ataca nesta frente, mas insiste em que sua claque mantenha viva a ideia de que um espectro ronda o Brasil, para parafrasear o Manifesto Comunista de Marx (1848).